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12.2.17

Ao pé da letra














Tentarei puxar um pouco pela minha memória, mas já vou de cara me desculpando se houver imprecisão. Se não me engano era do jornalista e dramaturgo Pedro Bloch uma coluna na revista Manchete chamada “Criança diz cada uma!...” Eram deliciosas e curtas crônicas que tinham como tema a espontaneidade infantil diante dos fatos. Isso faz muito tempo, mas a coluna e seu conteúdo não teriam perdido a atualidade se existissem até os dias de hoje.

Quem tem filhos ou convive com crianças, e mesmo quem simplesmente gosta de ter os pequeninos por perto, certamente já presenciou muita história que bem poderia ter sido tema das crônicas daquele radialista. Isso pelo simples fato de que criança é sempre criança, em qualquer tempo e lugar.
            
Posso contar rapidamente um exemplo, apenas para ilustrar. A filhinha de uma conhecida de nossa família sempre foi orientada a ser educada com as pessoas. Bons modos, respeito, comportamento, tudo o que uma criança precisa aprender, lhe ensinaram. Dentre muitas coisas, lhe disseram que não é educado aceitar o que lhe oferecem, um doce, por exemplo, logo na primeira vez. Deve-se agradecer e recusar a oferta, uma ou duas vezes. Contudo, se a oferta for insistente, e se houver grande vontade daquilo que está sendo oferecido, aí sim, pode-se aceitar.
            
Pois bem. A garotinha andava pela praia com seus pais, quando estes se encontraram com um amigo, que se deliciava com um enorme sorvete. Feitos os cumprimentos, o tal amigo apressou-se a oferecer o sorvete à menina. Esta, zelosa pelo ensinamento dos pais, de pronto agradeceu e recusou a oferta. “Tem certeza que não quer mesmo?”, insistiu o homem. A menina olhou para os sorridentes pais e para o sorvete e disse “Não senhor, obrigada!”
            
Com naturalidade, os adultos continuaram conversando, falando sobre si mesmos e sobre o tempo, coisas sem importância. A menina não desgrudava os olhos do sorvete. Não ouvia sequer uma palavra da conversa. Em dado momento, quando o sorvete já ia se derretendo e acabando aos poucos, a menina puxou uma das pernas da bermuda do homem e disse: “Moço, será que o senhor não pode oferecer pela terceira vez?”

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Publicado no livro "O Encantador de Passarinhos e outrs histórias"
Rumo Editorial - SP - 2011

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