Tentarei puxar um
pouco pela minha memória, mas já vou de cara me desculpando se houver
imprecisão. Se não me engano era do jornalista e dramaturgo Pedro Bloch uma
coluna na revista Manchete chamada “Criança diz cada uma!...” Eram deliciosas e
curtas crônicas que tinham como tema a espontaneidade infantil diante dos
fatos. Isso faz muito tempo, mas a coluna e seu conteúdo não teriam perdido a
atualidade se existissem até os dias de hoje.
Quem tem filhos ou convive com
crianças, e mesmo quem simplesmente gosta de ter os pequeninos por perto,
certamente já presenciou muita história que bem poderia ter sido tema das
crônicas daquele radialista. Isso pelo simples fato de que criança é sempre
criança, em qualquer tempo e lugar.
Posso contar rapidamente um exemplo,
apenas para ilustrar. A filhinha de uma conhecida de nossa família sempre foi
orientada a ser educada com as pessoas. Bons modos, respeito, comportamento,
tudo o que uma criança precisa aprender, lhe ensinaram. Dentre muitas coisas,
lhe disseram que não é educado aceitar o que lhe oferecem, um doce, por
exemplo, logo na primeira vez. Deve-se agradecer e recusar a oferta, uma ou
duas vezes. Contudo, se a oferta for insistente, e se houver grande vontade
daquilo que está sendo oferecido, aí sim, pode-se aceitar.
Pois bem. A garotinha andava pela
praia com seus pais, quando estes se encontraram com um amigo, que se deliciava
com um enorme sorvete. Feitos os cumprimentos, o tal amigo apressou-se a
oferecer o sorvete à menina. Esta, zelosa pelo ensinamento dos pais, de pronto
agradeceu e recusou a oferta. “Tem certeza que não quer mesmo?”, insistiu o
homem. A menina olhou para os sorridentes pais e para o sorvete e disse “Não
senhor, obrigada!”
Com naturalidade, os adultos
continuaram conversando, falando sobre si mesmos e sobre o tempo, coisas sem
importância. A menina não desgrudava os olhos do sorvete. Não ouvia sequer uma
palavra da conversa. Em dado momento, quando o sorvete já ia se derretendo e
acabando aos poucos, a menina puxou uma das pernas da bermuda do homem e disse:
“Moço, será que o senhor não pode oferecer pela terceira vez?”
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Publicado no livro "O Encantador de Passarinhos e outrs histórias"
Rumo Editorial - SP - 2011
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