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1.9.18

Recado




Haviam se casado há pouquíssimo tempo e combinaram que ambos continuariam trabalhando fora. Para cuidar da casa arranjariam empregada a quem pudessem confiar a chave durante o dia, coisa que acharam que seria muito difícil de encontrar. Mas não foi, pois a mãe dela sugeriu que, se era assim, que ficassem com Mariazinha, menina de seus dezessete anos que a família toda já conhecia muito bem, pois trabalhava na casa desde que tinha catorze. Conversaram com a menina e ela topou trocar de casa, indo prestar serviço na do jovem casal, com a condição de sair às cinco todo dia para não perder a hora da escola. E assim ficou tudo resolvido, menos para a mãe da moça que precisou arranjar outra empregada para substituir a que cedia para a filha e genro, mas isso também não foi muito difícil.
            
O único problema era que Mariazinha também não poderia chegar tão cedo à casa dos novos patrões para receber as ordens do dia, pois eles saíam para o trabalho antes das seis, ainda escuro. Isso também foi resolvido num instante, pois a jovem esposa era antes de tudo organizada e criativa. Comprou um caderno e instruiu Mariazinha, dizendo que deixaria anotados a data e as tarefas a realizar, e assim não haveria qualquer dificuldade para saber o que fazer. Já Mariazinha teria que fazer o mesmo no fim do dia, anotando se tudo correra bem e deixando o recado que entendesse necessário para o dia seguinte. Depois trancava a casa direitinho e colocava a chave no vaso de antúrios, prestando atenção para certificar-se que ninguém estava vendo onde era colocada a chave. E a coisa funcionou como uma luva, pois Mariazinha fazia tudo que a patroa mandava, ao pé da letra e com muita perfeição. 
            
Venceu o primeiro mês e o casal estava satisfeitíssimo com a arrumação da casa e com a eficiência de Mariazinha. Até o salário foi colocado no caderno de recados, dentro de um envelope, com um muito obrigado pelos bons serviços. E assim foi no mês seguinte, e no outro e no outro, tudo funcionando às mil maravilhas. E o casal volta e meia conversava sobre a sorte que tiveram na contratação de uma empregada que nunca viam e nem precisava, pois trabalhava direitinho e nunca mexeu em absolutamente nada que não fosse seu trabalho. Apesar de, nos últimos tempos, notarem que a menina andava comendo um pouco mais que o costumeiro. Mas tão jovem e tão trabalhadora, precisava mesmo se alimentar direito.
            
E assim foi, tudo muito certo, durante seis meses, sem que nada estragasse tão harmoniosa combinação entre patrões e empregada, que além dos bilhetes no caderno, só precisaram trocar um ou dois telefonemas durante esse tempo todo. Tão feliz estava o casal, que chegaram a combinar de fazer um agrado para a menina, deixando um recadinho especial na quinta-feira seguinte, convidando-a para um almoço no domingo. Mas não houve tempo, pois na quarta a situação mudou depois do último bilhete que Mariazinha deixou no caderno: "Patroa, hoje fiz tudo direitinho e até já adiantei um pouco, passando a roupa. Isso eu só faria amanhã, mas é que amanhã eu não posso vir trabalhar. É que aconteceu um imprevisto e amanhã eu vou ter que ir para o hospital para ganhar o meu nenê."       

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Publicado na coletânea "A Pizza Literária - sexta fornada"
Legnar Informática e Editora - SP - 2000
ISBN - 85-86556-32-7
Publicado no livro "Pipas no Caminho - e outros escritos guardados no tempo"
Rumo Editorial - SP - 2018
ISBN - 978-85-60380-58-9

*De um argumento de Silvia Regina Boaro Barletta, a quem agradeço e dedico esta história. Conto-a aqui a meu modo.

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