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11.8.18

Mal-assombrado


Combinaram de dar um baita susto no Dema, que depois que escurecia, morria de medo até da própria sombra. Todo mundo no escritório já sabia que ele enrolava durante o dia todo, sempre deixando sobrar serviço que justificasse aquela esticadinha do serão. Mais pra engordar o salário que pra outra coisa. Mas só ficava enquanto via luz acesa e mais algum retardatário em salas vizinhas. Sozinho, de jeito nenhum. Caçoavam dele, dizendo que aquele andar do prédio era mal-assombrado. Dema, cagão como era, não queria nem saber de comprovar essa história e procurava ser sempre o penúltimo a ir embora. E como neste mundo tem alma penada disposta a todo tipo de safadeza e maldade, três colegas armaram a coisa toda. Resolveram que seria naquela mesma noite, pois certamente Dema estaria na sua embromação rotineira. A tática era simular um apagão, desligando a chave geral de repente, e depois arrastar cadeiras, derrubar cestos de lixo, emitir gemidos e uivos de fantasmas. Coisas desse tipo.

Pois foi dito e feito. Ali pelas nove e poucos, os três que haviam se mancomunado para aquela velhacaria puseram o plano pra funcionar. Do outro extremo do imenso salão, escondidos, imaginavam Dema apavorado. Judiação. E realmente foi um deus nos acuda. Ouviu-se o estardalhaço da divisória de vidro se espatifando. Dali a pouco mais vidro quebrado. Um verdadeiro inferno, que durou pouco mais de dois minutos, até que, pensando ter provocado acidente sério, com toda aquela barulheira, um deles acendeu a luz novamente. Que o quê! Nem Dema, nem ninguém. Só caco de vidro pra todo lado, e os três comparsas, eles sim, com cara de quem viu alma do outro mundo. Deixaram tudo como estava e saíram de fininho. O gerente foi o primeiro a chegar no dia seguinte e se deparar com aquele palco de guerra. E evidentemente, queria saber o motivo de toda aquele forrobodó. Ninguém disse nada, muito menos os três, quando se lembraram que Dema estava de férias, desde a última segunda-feira.

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Publicado nos livros:
"A Pizza Literária - sexta fornada" - Legnar Editora - SP - 2000
"Pipas no caminho - e outros escritos guardados no tempo" - Rumo Editorial - SP - 2018 

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