Eram três irmãs,
todas de nome Maria. A mais velha era dos Remédios, a do meio do Rosário e a
caçula da Penha. Em comum, além do primeiro nome e do fato de serem todas
solteiras, uma incorrigível língua ferina, da qual não escapava quase nada ou
ninguém. Por essa razão não cultivavam amizades, e a vizinhança guardava-lhes
prudente distância. Ainda assim, não escapavam de suas maledicências, às quais
procuravam não dar ouvidos, evitando certeira confusão.
Certa feita, a troco de nada,
cismaram as três de infernizar a vida de um casal que morava duas casas
adiante, na mesma rua. Cismaram porque cismaram, pois o jovem casal não dava um
dedo de motivo para qualquer falatório a quem quer que fosse. Dos Remédios foi
quem iniciou a questiúncula, falando em alto e bom som, para quem quisesse
ouvir, que o rapaz não era de tomar banho. Onde já se viu! Do Rosário espalhou
pela vizinhança que as cuecas dele, penduradas no varal, eram todas borradas na
bunda, ao que da Penha acrescentou serem também furadas.
Como um rastilho de pólvora, as três
Marias fizeram as infundadas e venenosas afirmações correrem rua acima e rua
abaixo. Num instante chegaram aos ouvidos do casal. A moça quis tomar
satisfações com as irmãs quarentonas, mas foi demovida da intenção pelo rapaz,
que achou mais prudente não dar corda ao assunto.
Logo que do Rosário percebeu que a
investida não produzira efeito tratou de espalhar que a moça, com “aquela cara de
santinha”, era dada a escapadelas extraconjugais enquanto o marido saía para
trabalhar. Prontamente contou com o testemunho das duas irmãs, que juravam
terem visto, mais de uma vez, um homem entrar furtivamente na casa, em plena
luz do dia. Desta vez a língua das Marias fora longe demais, e tão logo o
burburinho na vizinhança bateu às portas do casal, houve indignação e revolta.
Nem cuecas sujas, nem traição. Foram
ambos tomar satisfações com as três irmãs, pois a coisa passara da conta. Da
Penha, que da janela viu o casal se aproximando, alertou as irmãs. Foram as
três para o portão, onde um bate-boca interminável começou. O casal procurava
manter a linha, apesar de tudo, mas dos Remédios, do Rosário e da Penha
destamparam o fosso de maledicências que cultivavam, e dele saíram coisas tão
sórdidas como ninguém jamais ouviu.
Ofendidos, humilhados e espezinhados
pelo dantesco fuzuê, marido e mulher acharam que o melhor seria chamar a
polícia, e assim fizeram. Da rua, que fervilhava de mulheres que preferiram
assistir aquele banzé todo à novela das oito, foram os cinco e mais duas
testemunhas do casal para a delegacia, em duas viaturas.
Por pouco o delegado não enlouquece,
pois as três Marias não se intimidaram com a sua autoridade e continuaram com
os impropérios, como três medusas loucas e alucinadas. Prender as mulheres
seria despropositado, mesmo diante de tanta insolência. O delegado preferiu
abrir inquérito por difamação e calúnia e liberar todo mundo, pois não queria
se aborrecer com tamanha anarquia em sua delegacia.
Tarde da noite, ainda alguns
moradores da rua aguardavam o desfecho do forrobodó, plantados em seus portões
ou debruçados nas janelas. Mas pouco ou nada viram. O casal voltou a pé e
trancou-se em sua casa. Do Rosário, da Penha e dos Remédios desceram de um
táxi, e fizeram o mesmo.
A vizinhança foi se recolhendo,
decepcionada com epílogo tão modorrento e sem graça. Esperavam tapas. Prisão,
talvez. Mas, nada. Apenas as portas quase vizinhas dos grupos oponentes se
fechando, e a noite assumindo seu reinado silencioso naquela rua da periferia.
Como explicar o que vai na alma de
certas pessoas, quando não há explicação plausível para se dar? Inútil tentar.
Abre-se aqui este parênteses, apenas para dizer que alguns atribuíam as
sandices das três irmãs ao sobrenatural. Estes diziam que poderosas forças do
mal invadiam a alma de cada uma delas, fazendo-as perpetrar as mais sórdidas
maldades contra as pessoas, sem mais nem porquê. Os defensores dessa linha de
pensamento acreditavam piamente na existência de caldeirões fumegantes dentro
da casa das Marias, o que jamais alguém pôde provar. Outros, no entanto,
reputavam o modo de ser das irmãs a causas menos espirituais. Como não se
pretende aqui tomar partido, fica apenas o registro de que também a vizinhança
daquela rua tinha um pouco do mesmo germe que acometia as três irmãs, razão
pela qual não se pode de pronto rotular este ou aquele. Dito isto, é melhor
voltar aos fatos.
Dado ao que se supunha saber das
três Marias, era de se esperar que tal furdunço não acabasse num ato só. De
maneira que, mesmo que ninguém dissesse mais palavra a respeito dos
acontecimentos daquela noite em que foi todo mundo parar na delegacia, havia no
ar uma natural expectativa quanto a uma nova investida. Era só uma questão de
tempo.
E não foi preciso muito tempo para
que acontecesse. Menos de uma semana depois, do Rosário tratou de fazer correr
nova notícia escabrosa sobre o casal. Com o testemunho irrestrito das outras duas Marias, passou a alardear que
o casal não tinha filhos pois Silvano, que era esse o nome do rapaz, não dava
conta do recado. Da Penha logo emendou que era em razão disso que Adélia
recebia visitantes em plena luz do dia, enquanto o marido trabalhava. E dos
Remédios, para não perder o mote, anuiu que tanto um quanto outro, não bastasse
essa pouca vergonha, ainda roubavam mercadorias no mercadinho do seu Ernesto!
Era só este virar as costas que os dois tocavam a mão na mercadoria colocavam
debaixo da camisa, por dentro das calças e onde quer que coubesse o que
tivessem apanhado.
Pronto! Desta vez Silvano quase
perdeu a razão. Partiu de arma em punho para o portão das fofoqueiras, mas foi
contido pelos vizinhos, que afinal, não queriam ver nenhuma desgraça. O próprio
seu Ernesto aconselhou Silvano a manter a calma, dizendo que aquilo não
passava de sandices sem pé nem cabeça.
Só depois de muita confusão na rua
apinhada, foi que a coisa mais ou menos se resolveu, com nova comitiva
adentrando a delegacia do bairro, para desespero do delegado, que ao ver de
quem se tratava deu dois murros na mesa, mas não disse palavra.
Bem, neste ponto convêm encurtar um
pouco a narrativa, pois logo se vê que o enredo há de ser sempre o mesmo. Só é
preciso acrescentar que ainda outras vezes as Marias fizeram e falaram das suas
contra o pobre casal, e que ainda outras tantas vezes foram todos parar na
mesma delegacia. A rotina das pendengas entre as três irmãs e o injustiçado
casal já ia perdendo o interesse da maioria dos vizinhos. Por mais cáusticas
que fossem as infundadas asneiras propaladas pelas Marias e por maior que fosse
a indignação do casal, já todos sabiam que a coisa terminaria no plantão
policial e dai não haveria outra consequência.
Mas as coisas iriam tomar novo rumo
pelas mãos de um certo juiz, a quem chegou finalmente o processo de difamação e
calúnia. Convicto de que nenhuma pena convencional que se impusesse corrigiria
aquelas três quarentonas, preferiu o juiz aplicar a chamada pena alternativa.
Iriam elas, de maneira exemplar, prestar serviços à comunidade.
E assim foi que do Rosário, da Penha
e dos Remédios receberam, com certo pânico, a terrível sentença: trabalhariam
por um ano, todos os dias, seis horas por dia, como ajudantes na cozinha do
hospital público do bairro. A pena parecia até bem leve, não fosse pela
exigência de que toda a jornada fosse cumprida pelas Marias devidamente
paramentadas, inclusive com o protetor a tapar-lhes a boca. Questão de higiene
mais que necessária para o local da prestação do serviço. Mas, para todos
quanto acompanharam a pendenga desde o início e souberam da sentença, o detalhe
teve outro significado. Finalmente, com extrema sabedoria e simplicidade,
alguém havia colocado uma mordaça naquelas bruacas.
Fato é que, antes mesmo de cumprida
toda a pena, do Rosário, dos Remédios e das Dores já aparentavam sensível
mudança de comportamento. Eram vistas a escancarar sorrisos, sem qualquer
motivo aparente. A expressão angelical de quem tinha a alma limpa que passou a
andar estampada no rosto das irmãs, causou certo espanto, a princípio.
Os que defendiam causas sobrenaturais diziam que a mordaça teve grande efeito moral. A vergonha da boca tapada acabara expulsando definitivamente os demônios daquelas almas. Mas há quem diga que o que deu jeito mesmo na questão foi Possidônio, chefe de cozinha lá no hospital. Este sim, de alma boníssima, o tempo todo deu seu apoio e consolo às três Marias, visitando-as regularmente todos os dias depois do expediente. Além de bom cozinheiro, um santo remédio para casos como os delas.
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Do livro "O Encantador de Passarinhos" - Rumo Editorial - 2013
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2 comentários:
Enquanto eu lia toda história vinha na minha cabeça situações que eu faria com elas kkkk
No final da história eu entendi o que faltava pra essas três quarentonas kkkk
Aí ele era tão bonzinho ,depois do expediente ele ia lá na casa delas , dá pra elas o que elas precisava
Desculpa aqui de quarentena ,não tenho mais o que fazer aí as ideias são malignas
Marcos não entendi muito bem , também a idade já não ajuda muito ,foi vc que escreveu está história 😆😆🤔🤔🤔🤔🤭🤭
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