Há tempos havia se esquecido como
eram certas coisas, ainda que todo dia soubesse delas pelo jornal e pela
televisão. Era como se pertencessem a um mundo distante. Por isso
surpreendeu-se quando as ruas foram se tornando mais estreitas, como se quando
criadas não tivesse havido espaço nem pressa. Largavam-se em traço torto, ora
esgueirando-se de buracos que pareciam sempre ter existido, ora insinuando-se,
corajosas e íngremes, por encostas e abismos intermináveis. Sempre bordejadas
por milhares de paredes de tijolo aparente, estampando os sonhos inacabados de
tanto zé e de tanta maria que um dia precisou se pendurar por ali, desafiando a
caótica gravidade.
Percorreu aqueles caminhos com medo
e ansiedade, ainda que fosse uma manhã de sábado e as ruelas e portas de
comércio fervilhassem de gente. E olhava o rosto de cada homem e mulher, todos
prenhes de simplicidade, como tentando adivinhar-lhes a intenção e os gestos. Temia
que em determinado momento não houvesse mais saída daquele labirinto intrincado
que teimava em serpentear à sua frente. Esperava por uma nova paisagem após a
próxima curva. Mas os tijolos pareciam os mesmo, as antenas se repetiam e os
varais tinham sempre roupas da mesma cor. No céu impo e claro, pias se
contorciam desenhando arabescos de rabiolas e fios cortantes. Já se sentia
sufocar dentro do carro quando avistou uma placa indicando para o centro.
Alívio. Nem se apercebeu em que ponto as ruas começaram a se alargar de novo.
Mas viu que ainda havia pipas no ar.
***
Publicado
na coletânea "A Pizza Literária - sexta fornada"
Legnar
Informática e Editora - SP - 2000
ISBN
- 85-86556-32-7
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