Gastava seus dias olhando a rua que
se repetia, mesma. Eternamente igual em seus muros e pessoas. Trancado num
silêncio imóvel, entrevado na mesma poltrona. Somente os olhos iam e vinham de
um lado a outro da mesma paisagem. A não ser quando chovia, pois então tinha
outras coisas para olhar. As gotas escorrendo pelos vidros, arredondando as
formas costumeiras. Caleidoscópio. Cada caminho pingo seguia sua gravidade em
rabiscos diversos. E seu olhar seguia o caminho vertical das gotas que renasciam
com destino já traçado. Ah! Em dias de chuva é que era bom olhar a rua, pois
havia encanto e magia nos cogumelos que brotavam na calçada e nos córregos que
surgiam murmurejando melodias suaves.
Mas nem sempre chovia para que
pudesse existir esse encantamento. Na maioria do tempo, aconteciam aqueles dias
compridos e cheios do tédio modorrento da rua sempre igual. Os raros automóveis
que riscavam a paisagem não tinham graça nenhuma. Eram traços muito ligeiros e
repentinos que os olhos nem sempre conseguiam acompanhar. Não valiam o tempo da
espera. Não eram como as gotas no vidro da janela em dias de chuva, pois estas
podiam ser aprisionadas e mantidas como reféns de seus olhos. Tudo o mais eram
imagens que fugiam, zombando de seu silêncio e de sua imobilidade, algozes de
sua paralisia. Não sabia ao certo se odiava esses dias sem chuva. Talvez não,
pois já se resignara com seu destino. Mas ficava o tempo todo esperando que o
céu escurecesse para poder aprisionar suas gotas no vidro da janela.
***
Publicado
na coletânea "A Pizza Literária - sexta fornada"
Legnar
Informática e Editora - SP - 2000
ISBN
- 85-86556-32-7
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