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31.7.06

Cabeça no peito




Sem mais nem menos, Zizou, eleito o melhor jogador da Copa Mundial de Futebol de 2006, meteu a cabeça no peito dum futuro campeão, a poucos minutos da possível honra de erguer o troféu supremo da competição. Com gosto e raiva, botou o italiano quase a nocaute. Foi expulso. Saiu, em sua última cena profissional para o mundo, com essa imagem triste e degradante.

Coisa boa o italiano não deve ter dito para que  tomasse uma porrada dessas, tão certeira e convicta. Ninguém vai saber ao certo o que aconteceu naquele momento, mas o fato vai ficar bem marcado na história dessa copa e também na história dos homens que viram essa copa. Ainda mais com o olho mágico do “grande irmão” que a tudo vê, tudo sabe e tudo passa em replays devidamente editados segundo sua conveniência.

“Dizque” teve coisas como chamar a mãe de careca, insinuar que a irmã tem pouca reputação em certos aspectos; do pai ser isso ou aquilo em relação à hombridade ou à convicção política, de a mãe ser... pumba! Cabeça no peito!
           
Deve ter sido mais ou menos assim, eu cá imagino. Vai saber o limite do ser humano. Pontapé na canela vale, jogo de corpo vale, encontrão também vale, algumas rasteiras valem... Tudo vale quando a intenção do ato é honesta. Mas, chamar irmã disso, pai daquilo e mãe daquilo outro? É o ponto de ebulição. Cabeça no peito!
            
Mas aí é que está! O que vale mais: a cabeça no peito de um inimigo que escolheu as exatas palavras que tiram um grande herói do sério, ou uma atitude austera, digna e elegante de um guerreiro que venceu, relevando tais palavras com um gesto nobre, que não a agressão? Difícil, né? Coloque-se no lugar dos personagens. O que você teria a dizer ou a fazer?
           
Daí, me transporto para nosso mundinho real, pós-copa perdida, pós-decepção, pós-constatação da grande mediocridade, pós-indignação, pós-um-monte-de-coisas que andaram meio escondidas em bandeirolas verde-amarelas vendidas pelos mascates de nossos dias. Muitos deles são pais de família, outros tantos bandidos, alguns sobreviventes, outros apenas eternos aproveitadores... E assim vai a vida nesse Brasil – sil – sil, de mil bandeirolas esticadas, de mil pinturas no chão da rua, na parede e na calçada.
            
E assim vai a vida onde todo dia se mata mais um policial em represália ao que acontece no sistema prisional. Onde todo dia se descobre nova falcatrua desses que um dia elegemos como dignos de confiança. Onde todo santo dia se vê uma nova injustiça oficialmente imposta pelos legitimados no poder, que achamos que fossem os melhores, que mereceram nossa confiança, mas que nos desonraram...
            
É, a decepção é algo muito triste. Seja qual for o motivo. Acho que basta ser decepção.
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Publicado em "Antologia Paulista - Vol.6" - Rumo Editorial - São Paulo - 2007
Publicado em "Janela aberta - e outros escritos guardados no tempo" - Rumo Editorial - São Paulo - 2019

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