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18.10.08

Hibisco
















Há um grande arbusto de hibisco defronte à janela de meu quarto. Quase uma árvore. Quase perenemente salpicado com grandes flores cor-de-rosa. Sempre um refúgio de pardais. Pode ser que haja pássaros de outras espécies, mas os pardais são mais freqüentes. Pelo menos mais numerosos, e por isso percebidos mais facilmente. Ora em bandos alvoroçados e barulhentos, ora em pousos solitários, estão sempre presentes. E assim esse arbusto, quase árvore, nunca está sozinho. Ele, que já se bastaria pela beleza rósea dentre a folhagem, ganha trinados e gorjeios, em nada dissimulados, e parece ficar mais feliz.

Vez por outra, com certa atenção e cuidado, é possível apreciar um idílio. Um desses pardais pousa e se mistura à folhagem. Incontinente, inicia uma melodia de três notas apenas. Lá, fá sustenido e sol. E repete a mesma linha melódica infinitas vezes, variando apenas na duração de cada nota. Entoa seu canto solitário e monótono repetindo-o como se fosse seu próprio eco. Lá, fá sustenido e sol. A cada frase um leve arfar, um tremor quase imperceptível. Lá, fá sustenido e sol. Durante toda a performance mantém-se no mesmo galho. Arfando e trinando. Lá, fá sustenido e sol. A melodia, assim entoada, pode durar vários minutos até que, surgido do nada, outro pássaro pousa no mesmo galho. Ambos trocam frêmitos gorjeios. Em seguida voam pra longe. Possivelmente por terem combinado fazer alguma coisa que o hibisco não precisa saber.

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Publicado em "Trilogia Paciente"
Casa do Novo Autor Editora - SP (2000)
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