11.4.10
Vamos pescar, pai?
Procurarei ser breve para não atrapalhar um pouco mais a vida dos leitores, que certamente já têm o seu quinhão de aborrecimentos e contratempos do dia-a-dia devidamente completo, tendo em vista os últimos acontecimentos de nossa terrinha, pátria amada Brasil, amém. Mas devo tomar algo de seu tempo para coisa mais amena e suave, quanto a isso fiquem tranquilos.
Quero falar de um assunto que só é lembrado em agosto, quando muito, e que não tem nada a ver com cachorro louco, já que dizem que esse mês é oficialmente dedicado aos pobres dos cães raivosos. Nada disso, pois não sou nenhum especialista em zootecnia, tampouco veterinário, e muito menos sei da razão dessa relação do mês com o cachorro. São coisas lá de nosso folclore.
E se não é desse assunto que vou falar eu os desafio: o que é que te lembra o mês de agosto? Segundo domingo, talvez, seja uma boa pista. Não? Tem que dar presente! Nada ainda? Caramba! Ou a mídia no Brasil tem sido falha, ou então você não tem visto televisão, pois já deveria saber desde o começo que quero falar do Dia dos Pais. Segundo domingo de agosto, todo ano, é Dia dos Pais, sabia? Pois é!
Desculpem ter subestimado tanto assim, mas é que tem muita gente que não sabe mais disso, e há tanto tempo, que julguei que deveria dar essas referências. Pois bem. Quero falar dos pais, e nem bem de seu dia, pois eu acho que dia de pai é todo santo dia, e não somente um certo domingo do mês de cachorro louco. No final das contas, pode ser que pai sirva para pouca coisa, e por isso não é lembrado como deveria ser.
Eu mesmo, e não nego esta confissão a ninguém, às vezes também sou filho omisso. Um exemplo disso posso citar bem agora. O velho João, meu pai, preparou com muito cuidado um estojo artesanal para varas de pescar, feito de garrafas plásticas vazias de água mineral e um desses tubos de papelão para enrolar tecido. Era um presente que ele queria me dar, pois sabe que adoro uma pescaria, e o tal estojo seria lugar ideal para minhas varinhas. Achei ótimo, bem engenhado e fiquei orgulhoso com o canudo. Mas sabe quando é que foi a nossa última pescaria? Pois te digo: há mais de um ano e meio! Falta de tempo? Eu diria que, mais que isso, é um pouco de omissão.
Fico pensando no meu velho pai aposentado, salário e meio de pensão, esperando pela pescaria que lhe devo e que nunca acontece, e então me vem na cabeça outros pais desse nosso país. Acho que não sou o único filho omisso e ingrato dentre os filhos desta pátria amada Brasil, amém! Meu pai vive bem, graças a Deus, com sua aposentadoria mesquinha e mal pingada, mas vive bem. Com a cultura que a vida lhe deu, vê televisão e mete a boca no trombone, contra essas porcariadas que aparecem todo dia no noticiário, em todo telejornal. Lá do seu jeito, ele vive bem, independente de eu estar lhe devendo algumas pescarias.
Isso não ameniza minha consciência de filho omisso, de jeito nenhum! Nem como filho natural de meu pai João, nem como filho dessa nossa pátria amada Brasil, amém. Não senhor! Acredito noutras coisas e é por isso que não estou satisfeito. Nem com minha condição de filho natural, pois sou devedor de algumas pescarias e muitas outras obrigações a meus pais, nem com minha condição de filho dessa nossa pátria amada Brasil, amém, pois nesse caso é ela que deve muito a mim e a meus pais.
Fico pensando nos pais da pátria, dessa nossa pátria amada, Brasil. Esses aí, a quem me refiro, e para quem não sabe ou não está relacionando coisa com coisa, são aqueles de fala complicada e prosopopéica, que ocupam o noticiário do horário nobre da televisão, geralmente prometendo o que não vão cumprir, ou de maneira mais rotineira, aparecem relacionados com um ou outro ato de pura bandalheira e pouca vergonha. Sabem de quem falo, não é? Gozado... Por mais que eu olhe para a fisionomia desses senhores, eu nunca consigo ver neles a figura de um pai. Não sei por quê! Eles soam tão falsos que não sei se deveriam ser chamados de pais da pátria. Pelo que sei, pai que é pai não é falso, nunca! Nem mentiroso, nem... Mas esses pais da pátria aparentam isso, pelo menos para mim. Dizem uma coisa num dia, mas nem é preciso que outro dia amanheça para que já contratem advogados que defendam outros interesses e outras mentiras. Vai entender esse mundo!
Os que conhecemos como pais da pátria são essa coisa estranha que se vê por aí, a nos causar repugnância e mal-estar. Dessas atitudes de pais desnaturados de nossos governantes resulta um outro lado, não menos sórdido. Basta olhar para aquele outro tipo de pais que, madrugadinha ainda, estão engordando as filas de porta de fábrica, à procura de emprego, ou então estão participando de alguma manifestação do sindicato, para preservar seu ganha-pão. Já viu alguma fila de desempregados? Já viu algum movimento desses? Reparou como cada um naquela fila tem cara de pai? Sofrido, marcado, preocupado. Paizão mesmo. Reparou?
O que me deixa mais preocupado com essa situação, é que os pais da pátria ocupam um espaço enorme em todos os meios de comunicação e sempre para não dizer coisa nenhuma. Ou então para mentir as mesmas mentiras, o que dá absolutamente na mesma. Já os pais de porta de fábrica, ou são simplesmente ignorados, ou então recebem destaques no noticiário policial quando a situação, de tão tensa, ultrapassa certos limites. Acho muito estranha essa questão, principalmente por se tratar de membros de uma mesma categoria. Não são todos pais, afinal? Não têm família e filhos para sustentar e zelar?
Por essa e outras razões é que estou convencido de que não deveríamos ter apenas um dia dos pais, como esse que se comemora em agosto de cada ano. E de mais a mais, para que serve o tal dia? Qual é o pai desempregado que vai festejar essa data? Com o quê ele vai festejar essa data? Por mais que todo pai, genitor, homem que deu existência a outro ser, mereça ter um dia especial para ser reverenciado, para muitos acaba não tendo graça nenhuma comemorar esse dia, do jeito que as coisas se apresentam.
Pai que é pai quer ter a dignidade de um emprego. Pai que é pai quer ter a certeza de poder dar o que comer para seus filhos. Pai que é pai quer ter a tranquilidade de seu trabalho, por mais rigoroso e pesado que seja. Não quer e não precisa ficar na porta da fábrica, seja para pedir emprego ou protestar. Seu lugar é lá dentro, produzindo para ajudar a fazer crescer essa pátria amada Brasil, amém. Seus filhos esperam e precisam que assim seja. Pai que é pai quer apenas ter a serenidade do dever cumprido para poder aceitar com alegria as homenagens de seus filhos no dia que lhe dedicaram. E pouco importa que esse dia seja no mês de agosto, dito o mês de cachorro louco.
Pronto! Era isso. Eu sei dizer que tenho orgulho de meu pai, aposentado e dependendo do humor desses desnaturados pais da pátria para sobreviver. Orgulho-me dele porque ele sabe fazer aquele canudo de garrafas vazias e papelão para suportar nossas varas de pescar. E porque ensinou-me dignidade, no seu jeito simples de entender a vida. Orgulho-me dos pais de muita gente desta nossa pátria amada Brasil, que mesmo sem a tranqüilidade que mereceriam para comemorar o seu dia, continuam protegendo seus filhos, tentando dar a eles o de comer. E, sobretudo, orgulho-me dos pais que sabem transmitir a seus filhos alguma noção de dignidade. É pena que disso os pais da pátria têm se ocupado muito pouco ultimamente, ensimesmados que estão com sua aparência na televisão e com seus próprios interesses de usurpar a pátria. Deixa estar.
E aí, pai? Vamos pescar no sábado que vem?
Para João Gimenes Dias, meu pai - in memoriam
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Publicado originalmente na edição de 07.08.1999 do "Jornal do Cambuci & Aclimação"
São Paulo - SP
Publicado no Portal da Cidade de Cotia - 2015
http://cotia.portaldacidade.com/colunistas/2-marcos-gimenes-salun/33-vamos-pescar-pai
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