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16.12.11

Olhando para o Céu













A trajetória de minha vida vem me indicando um caminho mais ou menos lírico, sem deixar a seriedade e a responsabilidade de lado. E nesse pensar encasquetei agora de escrever logo sobre o firmamento, sabidamente uma das mais profícuas fontes de inspiração de poetas e românticos, escritores e versejadores das mais variadas estirpes. E sendo assim meio metido a vate e escrivinhador de uns tempos para cá, logo de cara o que me ocorreu foram uns versos de Olavo Bilac:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Eu nunca as entendi direito (às estrelas), apesar da grande admiração que tenho por noites estreladas, por aquela imensidão tão profunda que dá até para mergulhar com a alma no infinito de sua grandeza. Desde pequeno eu gosto de ver o céu estrelado. A reminiscência mais antiga que tenho de minha observação embevecida para com o esplendor do firmamento me vem do sítio de meus avós, no interior do Estado, onde em criança, eu me sentava numa espreguiçadeira colocada no terreiro, junto com tia Gladys.

Lá ficávamos até as tantas, olhando aquele mar pontilhado de luz. Tia Gladys tinha um conhecimento astronômico que até hoje acho surpreendente. Ela sabia indicar várias galáxias com seus nomes enigmáticos e destacava-lhes as estrelas principais com uma facilidade impressionante. Era como se toda aquela imensidão de azul profundo e seus pontilhados luminosos fizessem parte do seu próprio quintal. E ela dizia, na sua simplicidade cabocla que só agora eu entendo bem: “Veja lá! Aquelas são as Três Marias. São irmãs que Deus pediu para que nunca se separem, pois o amor entre os irmãos deve ser para sempre e nunca se acabar por nada.”... E eu olhava para o alto e conseguia identificar, numa parte da Constelação de Órion, as estrelas a que ela se referia.

“São aquelas, tia?”. Mas logo ela me chamava atenção: “Não aponte para as estrelas, menino, pois senão vai nascer uma verruga bem na ponta de seu dedo”. Com receio eu encolhia a mão e apenas perscrutava o infinito da abóbada celeste sem apontar o meu foco de admiração. Foi assim, nessas noites silenciosas e majestosas do sertão que eu conheci o Cruzeiro do Sul, que mais facilmente identificava, e outras tantas formações estelares das quais nunca me preocupei em guardar o nome. Guardava-lhes, no entanto, a beleza e a majestade do brilho cintilante no céu escuro, em maior ou menor intensidade.

Lembro-me com emoção das centelhas de luz que riscavam o céu de vez em quando. Nestas horas minha tia Gladys dizia que era pra eu fazer um desejo, pois se tratava de uma estrela cadente. No meu deslumbramento de criança que estava descobrindo os mistérios do mundo, eu me lembro que fechava os olhos completamente embevecido e emocionado, e desejava as coisas mais maravilhosas que se poderia desejar. Nem lembro o que era. Mas muitas delas devem ter acontecido, com o passar do tempo, e eu nem mesmo percebi. Em certas noites, quem dominava o páramo era a imponente figura da Lua. E eu ouvia extasiado as histórias e mistérios de São Jorge e seu dragão, que lá habitavam e tomavam conta do lugar. Eu olhava para a Lua e para o infinito espaço à sua volta e ficava pensando como é que poderia um cavalo, um dragão e um santo terem ido parar lá em cima.

Com o tempo eu fui compreendendo um pouco melhor certas coisas que se afirmavam sobre o céu e seus componentes, e especialmente sobre algumas histórias que Tia Gladys contava. Percebi que nunca nasceu qualquer verruga na ponta de meu dedo, por mais que eu já tivesse apontado essa ou aquela estrela. Comecei a ver o céu não mais como um espetáculo deslumbrante, mas como um componente das coisas à minha volta.

Cresci e aos poucos visitava menos o interior. Na cidade de São Paulo, onde sempre morei, o céu já não me parecia mais ter tanta beleza, pois raramente conseguia demonstrar sua pujança por entre a carapaça nebulosa que o encobria. Aos poucos fui abandonando minha admiração pelos corpos celestes que habitavam o imenso teto do mundo. Na verdade, pouca importância eu dei a eles durante uma boa parte de minha vida. Só olhava para o céu em caso de ameaça de chuva, de algum eclipse que se anunciava na rádio e na televisão e que raramente era possível ver, de alguma manchete sobre a calota de poluição que cobria a cidade e ameaçava a camada de ozônio...

Só recentemente, e antes mesmo de que alguém me propusesse dispensar algum olhar analítico para a abóbada celeste, eu comecei a prestar de novo atenção nos corpos celestes, na grandeza do firmamento, na sua complexidade e no seu significado. O céu já havia se tornado o teto do templo de meu universo há algum tempo. Só que eu não sabia. No meu fazer poético, eu já enaltecia a grandeza e o poder infinito de Deus, em alguns versos, como estes que escrevi em 1999:

Lumeeiros

Fiquei olhando o dia esmaecer
em longos momentos de agonia
da luz que a noite foi engolindo
até que toda ela perdesse o viço
e mergulhasse suavemente
além da última linha tênue do mar.

Fiquei admirando aquele enegrecer
lentamente difuso que se acomodava
sobre as águas e além dos montes
diluindo em si os contornos aparentes
e unificando em sombras as distâncias
que se tornaram etéreas e ausentes.

Então esperei pela luz da lua
que não se negou a aparecer
soberba como dona da noite
enfeitando de prata o oceano
e traçando suaves rumos luarentos
para guiar alguma nau perdida.

E novos luzeiros se revelaram
em cada ponto do céu enegrecido
onde a lua foi senhora e soberana
mas dividiu seu domínio suavemente
com as estrelas no seu luzir
até que um novo dia aconteceu.

A minha percepção sobre o firmamento foi adquirindo as nuances que a vida me propiciou em seu decorrer. Hoje, quando começo a tomar conhecimento de novas informações sobre astros, estrelas e sobre o firmamento, começo a fazer novas reflexões, diferentes das que fazia quando conheci as Três Marias. Agora compreendo o que sempre sabia: ao olhar o firmamento, vejo toda a grandeza e sabedoria do Grande Arquiteto do Universo, mesmo sem saber os nomes das estrelas e corpos celestes.

Ainda não sei nada sobre estrelas, nem sobre o céu e suas constelações. Nunca fui ao Planetário. Talvez seja uma boa ideia, agora que preciso ver com novos olhos o teto do templo de meu Universo. Bilac já havia dito, mas só agora começo entender que é preciso amar para entendê-las.


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Apresentado na "Pizza Literária" da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
em 15.12.2011
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