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2.2.13

Meditações acerca de alguns valores e princípios






















Ontem participei mais uma vez de um plenário do Tribunal do Júri, onde atuo há alguns anos. Como sabem, são levados a júri popular os réus acusados de crime contra a vida. Por ali desfilam personagens que habitam um mundo que muitas vezes sequer são imaginados pelos cidadãos comuns, assim entendidos aqueles que estejam num patamar aceito como de razoável normalidade dentro da convivência social.

Estes personagens a que me refiro ora são réus, ora são vítimas. Contudo, e não importa de que lado estejam, o revelar de suas histórias e de suas trajetórias de vida ou de morte durante os debates que se desenrolam entre defensores e acusadores sempre envolvem de forma contundente, com seus dramas, os tais cidadãos ditos comuns, aqueles de ilibada conduta e acima de qualquer suspeita que estão do outro lado dessa realidade sempre muito triste e cruel. Ali, sem dúvida nenhuma, é possível exercitar de forma intensiva a consciência e meditar longa e profundamente sobre qual é, afinal, o papel de cada ser humano no mundo e em relação à sociedade onde convive.

Por definição, o tribunal é o local onde um conjunto de magistrados ou pessoas administram a justiça. Trata-se da tentativa de fazer juízo sobre questões éticas, morais e sociais e por fim dizer onde está a culpa, se de fato ela existe, ou se o agente que atentou contra a vida de outrem tem ou não algum direito de merecer complacência. Trata-se de definir se o réu ali presente deve ou não ser privado de sua liberdade. Se ele é digno ou não de algum gesto de solidariedade por parte dos jurados que receberam a incumbência de condená-lo ou inocentá-lo. Aos membros do júri, tanto acusação quanto defesa pedem uma só coisa: que seja feita justiça no seu mais amplo sentido.

Para os ditos cidadãos comuns e de ilibada conduta que estão ouvindo pela primeira vez o drama horroroso e torpe em que se envolveram réus e vítimas, e do qual são coadjuvantes ativos ou passivos as suas famílias, as pessoas de seu círculo de relacionamento, suas células mais próximas, e de uma forma muito mais ampla, toda a sociedade onde estes interagem, há muitas sutilezas sobre as quais se deve refletir. Ao reviver essas tragédias que todos os dias se empilham nos tribunais à espera da famigerada justiça, acusadores e defensores esperam um hercúleo esforço da consciência daqueles a quem delegam sua realização. Cabe a esses ditos cidadãos comuns e de insuspeita conduta que exercitem todos os seus princípios morais, que incitem seu caráter de forma a dizer o que, afinal, é justo e direito em sua maneira pessoal de perceber e de avaliar tal situação específica.

Que justiça seria a "mais justa" para quem perdeu um familiar quando do atentado contra a vida, perpetrado pelo réu que está sendo julgado? A condenação deste a extensas penas satisfaria o desejo de justiça dessas pessoas? Ou será que esperam que a pena aplicada apenas vingue a morte já consumada de algum ente querido? Por outro lado, que tipo de justiça espera o próprio réu? Na certa a complacência dos cidadãos de ilibada conduta a quem, de certa forma, atingiu com seu ato. O perdão e a absolvição seriam a melhor caracterização da justiça para estes.

Se de um lado é grande verdade que a sabedoria humana esbarra ante as dificuldades de usar a liberdade, sem negá-la a seus semelhantes, por outro lado também é verdade que nem toda a sabedoria humana, por mais que se exercite as virtudes e os meandros da consciência, será capaz de distinguir os tênues limites entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto. E no caso específico, entre prender ou soltar, entre condenar ou perdoar. Em suma, a sabedoria poderá ser a melhor conselheira, mas nunca dará a certeza de que tenha havido justiça.

Daí a importância de tentar aprimorar, em cada oportunidade e em cada minuto que a vida nos permitir, o brilho daquilo que seja considerado correto e desejável, quer seja do ponto de vista da moral, da religião, do comportamento social e do dever. Daí ser imprescindível exercitar tais elementos em cada ação, por menor que seja, e enaltecer todas as virtudes que possam nos distinguir como os tais cidadãos de ilibada conduta.

É preciso que se tenha em mente que todos nós pertencemos ao tribunal do júri quotidiano na medida em que cada pequena ou grande circunstância de nossa vida e de nosso dia a dia nos compele ao exercício dos princípios morais, éticos ou religiosos dos quais estamos imbuídos. Seja no momento de representar oficialmente a sociedade perante os que atentam diretamente contra a vida, assassinando a um semelhante, seja na hora de definir ações justas para os que, da mesma forma, atentam contra o seu semelhante por ações sub-reptícias de desvio de conduta, mesmo que destas não haja cadáveres aparentes.

E muito mais que isso, é preciso que não nos permitamos ser tão hipócritas a ponto de nos convencermos que realmente somos cidadãos tão comuns assim e de tão ilibada e irrepreensível conduta assim. Seria muita pretensão imaginar que também não precisamos da complacência e da solidariedade de nossos semelhantes em muitos momentos de nossas vidas em que ansiamos pela justiça. Não é verdade?
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Primeiro lugar no concurso de prosa do 
XXIV Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
11 a 13 de outubro de 2012 - Curitiba - PR
Publicado nos Anais do Congresso - Editora Nouvelle
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