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7.12.08

A Grande Virada

















Há algum tempo venho tentando me preparar para encarar um marco significativo em minha vida, que é o de atravessar a barreira rumo a um novo milênio. Vocês hão de entender que, como é a minha primeira vez, não sei direito como é que se procede nessas ocasiões. Estou em dúvida quanto a coisas do tipo o que vestir, como me comportar e o que fazer na hora “h”. Certamente elas acontecerão na base do mais puro improviso e intuição, dada minha inexperiência no assunto.

O que me deixa um pouco mais tranqüilo, no entanto, é saber que esse não é um problema só meu, mas de cerca de seis bilhões de outros debutantes que hoje vivem a mesma ansiedade. Menos mal, pois não estarei sozinho em qualquer coisa que venha a fazer. Afinal de contas, ultrapassar a barreira de um novo milênio é algo meio assim como quem viu, viu, sem direito a replay, e sempre é bom compartilhar um momento como esse com mais alguém. E já que não existe ninguém com graduação ou doutorado em passagem de milênio, estamos todos na mesma ansiosa expectativa, por menos que se queira confessar. É bom saber que viveremos empiricamente esta data e que cada uma das seis bilhões de testemunhas dessa efeméride terá sua própria experiência como debutante nessa coisa de virar milênio.

Na verdade não haverá muita diferença entre esta e qualquer outra passagem de ano, pois todo dia está se passando para um novo milênio, dependendo de onde se começa a contar o tempo. Exceto por pequenas questões, como ter que ouvir das crianças que nascerem à partir do próximo dia primeiro de janeiro que “você é do outro milênio”, de resto será tudo igual. Não haverá grandes mudanças. A humanidade continuará tendo os mesmos problemas para resolver.

Quando nasci, em 1953, James Watson e Francis Crick decifraram a estrutura do DNA e com isso deram um grande passo para que hoje muitos filhos soubessem da existência de seus pais e vice-versa. Nem por isso acharam solução para muitas questões de relacionamento entre eles. É só um exemplo. Os últimos anos deste milênio que termina foram os mais espetaculares em termos de descobertas científicas, numa demonstração inequívoca da genialidade do ser humano, que no entanto ainda não se revelou capaz de canalizar todo esse potencial criativo para seu próprio bem estar.

Thomas Malthus, lá no século XVIII, dizia que a população da terra superaria em muito a sua capacidade de produzir alimentos, e com isso a humanidade correria o sério risco de passar fome. No entanto, não aconteceu de o alimento se acabar. Ao contrário, nunca houve tanta oferta de comida como em nossos dias. Mas alguns bolsões de miséria, em regiões quase medievais do mundo, demonstram o quanto o homem é ineficiente ao lidar ao mesmo tempo com sua capacidade inventiva e com suas necessidades mais básicas. E nem é preciso ir tão longe para constatar todas as contradições que atravessarão conosco o milênio, pois muitas passam ao nosso lado todos os dias.

Talvez o melhor mesmo seja pensar apenas no aspecto mais otimista do próximo reveillon, acreditando que ele seja realmente o marco do início de um novo tempo para a humanidade, como muitos esperam e apregoam. Não será com um punhado de lamentações que consertaremos o mundo, mas com atitudes e gestos positivos. É como dizem: se cada um fizer sua parte...

Bem, mas eu falava sobre a minha apreensão sobre esta virada de milênio, e não é para menos. Desde que eu era pequeno ouvia falar no tal do ano 2000, sempre como algo distante e cheio de mistérios e por isso tinha até um certo receio quando se tocava assunto. Agora que ele já está tão próximo, chego à conclusão que não será nada tão extraordinário assim. É verdade que tem o tal de bug que ameaça os computadores por aí afora, mas até ele já perdeu um pouco da fama de mal que lhe atribuíram. Assim, há de se supor que será mais uma passagem de ano como outra qualquer.

Por via das dúvidas, e como será um momento único em nossas vidas, é bom caprichar nas simpatias de fim de ano, para entrar com toda a força no novo milênio. Quem sabe, pelo fato de ter sido algo tão esperado, esse novo tempo comece com uma concentração de esforços positivos que permita mudar o que ainda é preciso no mundo. Pode ser que, ao invés do mundo acabar no ano 2000, como chegam a temer alguns, o que acabe sejam suas desigualdades.

Então vamos lá, rumo ao novo milênio! De minha parte, prometo arregaçar as mangas e fazer o que estiver ao meu alcance. Espero que as próximas gerações possam um dia se orgulhar desta turma toda que testemunhou a grande virada.

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Publicado no Jornal do Cambuci e Aclimaação
Dezembro de 1999
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