7.12.08
O vermelho é pra parar
Talvez fosse 1958, ou 59, não me lembro bem. Eu começava então a estudar no Grupo Escolar Dr.Murtinho Nobre, na Rua Ouvidor Portugal, e a cidade era bem diferente, menos agitada, ainda pouco poluída. Havia bem menos automóveis nas ruas, mas uma preocupação muito maior com a segurança em relação aos dias de hoje.
Foi por esse tempo que eu tive as primeiras lições de trânsito. Havia um guarda na porta do Grupo Escolar. Um policial da antiga guarda-civil, de nome José. O guarda Zezinho, íntimo de todos os pequenos estudantes. Amigo dos papais e mamães dos alunos, que na época vinham esperar os filhos a pé. Sempre impecável na farda azul-marinho, o guarda Zezinho era sinônimo de segurança na porta da escola.
Pois foi o Zezinho quem me passou, e a todos os colegas da época, a primeira regra de trânsito, e que hoje, entendo, era para ser aplicada na vida da gente como um todo. Era uma musiquinha, pois Zezinho sabia cantar, que dizia assim: "O vermelho é pra parar / O amarelo é esperar / O verde quer dizer / Você já pode atravessar ". Guardo até hoje a letra, mas acho estranho que Zezinho cantasse. E que separasse as freqüentes brigas de alunos na hora da saída, não como um policial, mas como um pai. E que tivesse tanto zelo.
Quando lembro do Zezinho nos ensinando a cantar, e nos dando lições de trânsito, de vida e de civilidade, tenho a impressão de ter vivido isso não em outra época, mas em outra terra. Terra que não tem nada a ver com a minha de hoje. E então me pergunto o que o tempo tem a ver com tanta mudança.
Na minha visão de garoto, na terra que eu vivi existia responsabilidade, confiança, segurança e respeito. Na de hoje, ninguém respeita ninguém. Se atravessam os sinais vermelhos como se a regra tivesse mudado. E com o agravante de se estender esse desrespeito a tudo e a todos.
É pena que nunca mais eu tenha visto Zezinho. E com certeza nunca mais vou ver um guarda como ele, que saiba cantar. Que tenha aquele jeito seguro de ensinar a viver. É pena que hoje não se pare mais no vermelho, como ensinava Zezinho.
Acho que o tempo fez com que as pessoas perdessem a direção das coisas. E se esquecessem de cumprir os limites. Com isso não há mais os parâmetros, que o guarda Zezinho simbolizou pelo semáforo. Não há mais quem separe as brigas. Ninguém mais acredita no puxão de orelhas. Isso tudo é coisa que ficou. Onde?
Não sei o que foi feito daquele guarda-civil, nem dos princípios que ele seguia e ensinava. Se perdeu no tempo, como tudo e como tantos. É uma pena. Seria tão bom se nossos filhos pudessem tê-lo conhecido, para aprender com ele a letra daquela melodia... Iriam saber que existem limites. Talvez assim, não se atravessassem tanto os sinais vermelhos da vida.
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Publicado no Jornal do Cambuci & Aclimação - julho de 1988
Apresentado na reunião da SOBRAMES-SP em 19 de fevereiro de 1998.
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