Alguém já disse que a
praia é o lugar mais democrático que existe.
Confesso que sou da mesma opinião. Em que outro lugar é possível entrar
e sair quando bem se entende, vestindo - ou não vestindo - o que der na telha,
fazendo - ou não fazendo - o que der vontade? Eu acho que é só na praia.
Não
consigo pensar em outro lugar em que isso seja possível. Nem mesmo no
Congresso, alardeado como uma casa essencialmente democrática. Se não me
engano, foi lá que construíram um tal espelho d’água. Será que é para distanciar
o povo da democracia que se faz lá dentro? Não pretendo me enveredar nesse
assunto, pois para isso existem os especialistas. Limito-me a falar das coisas
mais ao alcance da minha compreensão.
Por isso, volto a pisar na areia.
Entendo, porém, que há pequenas restrições à plenitude democrática que se
apregoa existir na praia. E há de se convir que é preciso observá-las, sob pena
de acabar convergindo para regimes, digamos, mais anárquicos. Não se pode
querer, por exemplo, que uma praia de nudismo seja frequentada pacificamente
por seminus, ou vice-versa. Mas isso ocorre apenas por uma questão de igualdade
de direitos e deveres. Havendo a sutil adaptação que o caso requer, de pronto
fica restabelecida a democracia. É questão apenas de uma peça a mais ou uma a
menos.
Também acho muito compreensível que
os amantes das praias busquem lugares ou grupos de frequentadores onde possam
se sentir mais à vontade ou enturmados. Cada um tem sua praia, como
também se diz por aí. Mesmo assim, pode-se perceber facilmente que a praia é
inimiga da maioria dos preconceitos. Pobres e ricos convergem para as mesmas
areias e abrem o guarda-sol lado a lado. Gordinhas branquelas e morenas
bronzeadíssimas caminham com a mesma naturalidade pela orla, cada qual na sua
mais completa liberdade de ir e vir. Nenhum preconceito: nem cor, nem raça, nem
classe social, nem religião...
A praia é um espaço que tanto serve
aos visitantes de um dia, que normalmente chegam em turmas numerosas e
barulhentas, quanto aos que ficam uma temporada inteira. Depois que se pisa na
areia da praia, todo mundo é igual. Convivem pacificamente os que cortam as
águas com seus poderosos jet-skis e os que pagam cinco reais para um
giro num banana-boat, com direito a tombo e tudo. Servem-se do mesmo
mar.
Ao chegar à areia, estender sua
esteira, abrir seu guarda-sol e sentar-se comodamente na cadeira, o indivíduo
perde todos os indícios de sua origem. A partir desse ritual, não importa mais
saber de onde a pessoa veio ou onde está hospedada, se é que está hospedada em
algum lugar. Tanto pode ter vindo num carro do ano, importado, quanto num
ônibus de excursão. Tanto pode estar se hospedando num caríssimo apartamento de
cobertura, quanto numa barraca de camping, numa casa alugada ou naquele
apartamento emprestado pelo cunhado e disputadíssimo nas temporadas... Que
importância tem isso quando se está à beira-mar?
Outra coisa que notei, é que pouca
diferença faz o tipo de petiscos que chegam às praias. Vale quase de tudo,
desde o amendoim torrado ou camarão sete barbas no espetinho, até o tão
decantado frango com farofa que, aliás, acaba dando margem a um dos poucos
preconceitos que ainda persistem nas areias. Noutro dia, por exemplo,
experimentei bucho frito à milanesa, que o Capivari trouxe para a roda na praia
que eu frequento. Como gosto não se discute, eu gostei e recomendo a iguaria.
Ainda mais se o acompanhamento for aquela cervejinha bem gelada, tirada da
inseparável caixa de isopor que também costuma estar sempre à mão. Para os que
preferem uísque, saibam que não faço a mínima restrição.
Na minha modesta opinião, a praia
tem todo esse ar de democracia, sim senhor, e seja lá onde for. Fico observando
o que as pessoas fazem enquanto estão na praia, e cada vez mais me convenço de
que uma aura democrática paira sobre ela. Os que jogam pelada sabem bem disso.
Quando a bola vai para longe, basta gritar “bola” que alguém gentilmente a
devolve. O mesmo ocorre com os que preferem o voleibol. Os que ficam se
empanando na areia, sabem que também poderiam empinar pipas, com a mesma
liberdade. Os que se deitam na esteira para tostar ao sol sabem que poderiam
apenas sentar-se à sombra usando protetor solar. E assim vai. Cada qual fazendo
o que bem lhe interessa fazer, com total liberdade.
Não estou me referindo a nenhuma praia em
especial, pois acredito que ao longo dos mais de oito mil quilômetros da costa
brasileira, a coisa seja mais ou menos parecida, com pequenas variações. Com
certeza você também já notou coisas desse tipo na praia em que costuma fincar
seu guarda-sol, mas talvez nunca tenha analisado quão simples pode ser a
democracia, se bem praticada.
Mas,
como tudo o que é bom tem seu preço, é preciso que se tenha sempre em conta
que, para chegar lá, às vezes é preciso enfrentar pequenos problemas indesejáveis.
A disputa por um lugar ao sol, talvez tenha que vencer antes algumas horas de
estrada entupida. E, certamente, com alguns mais apressados tentando
ultrapassar pelo acostamento. Acho que esses entendem que os fins justificam os
meios.
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Publicado no livro "O Encantador de Passarinhos e outras histórias" -
Rumo Editorial - SP - 2011
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