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29.3.17

A fertilidade, a divagação e o desejo de novos tempos



Quando tudo parece caminhar para becos sombrios e sem saída e para um total descrédito nas ações dos seres humanos, demonstradas em atitudes cada vez mais desprovidas de qualquer resquício da anima divina, do nada eu me peguei a pensar na romã, aquela frutinha cheia de grãos justapostos, feito uma colmeia vegetal. E logo divaguei por outros pensamentos não menos longínquos e quase abstratos, como a proporção áurea e outros "que tais". Quem sabe, resultado de alguns brindes em excesso, resultado de algumas ações também desmedidas deste período dedicado às tais "festas".

De tudo o que já ouvi dizer e do quanto já provei da fruta, concordo com algumas coisas e discordo de outras, claro. Pela grande quantidade de sementes, a romã é considerada como um símbolo da fertilidade, cuja origem se atribui a uma relíquia vegetal da velha Pérsia ou do Irã, tanto faz, mas lá daqueles lados onde tudo o que é profano toma a forma de sagrado e vice-versa. Lá, pela também longeva Grécia, a fruta era um atributo de Hera, poderosa deusa feminina que zelava pelos casamentos e nascimentos dos rebentos, tanto quanto à deusa Afrodite, aquela da beleza, do amor e da sexualidade.

Nunca contei, mas dizem que a romã tem 613 sementes (!), assim como 613 são os mandamentos ou provérbios judaicos chamados de "Mitzvotz", presentes em seu livro sagrado, a Torá, algo em que ainda pretendo me aprofundar. Dessa forma, na tradição judaica, no feriado chamado “RoshHashanah”, dia em que começa o ano judaico, é comum consumir romãs, símbolo de renovação, fertilidade e prosperidade. Na Índia, dizem, as mulheres tomam o suco da fruta para precaver-se da infertilidade. Os romanos antigos, especialmente os recém-casados, usavam coroas de ramos da romanzeira, pois havia a crença de que a forma e a cor da fruta se assemelha ao útero materno e ao sangue vital.

E vamos além: na maçonaria a fruta tem uma forte simbologia, representando a união dos maçons e presente com destaque em seus templos, no alto das colunas basilares da instituição, a lembrar-lhes sobre os objetivos de solidariedade, igualdade, humildade,  prosperidade e fraternidade, além da força e da beleza. No cristianismo, há várias passagens da Bíblia onde a romã aparece como fruta divina, como símbolo da perfeição, do amor cristão e da virgindade de Maria, mãe de Jesus. Muitas vezes associada ao templo de Salomão, a romã é consumida pelos cristãos no dia de Reis.

Todas essas conjecturas sobre a mística fruta, me fizeram lembrar que, quando criança, morei numa casa onde um pé de romã era como uma espécie de árvore da vida (ou do bem e do mal) bem no centro do pequeno quintal. No entanto, dali colhíamos os frutos, quando era o tempo e a hora, consumíamos os seus grãos, com simples deleite e sem qualquer preocupação com significados a ela atribuídos. E, glória(!), nunca fomos expulsos do paraíso por causa ou apesar disso.

Então eu fico pensando também nas inúmeras vezes em que, depois de adulto e sem um pé de romã no meu quintal, eu me sujeitei a pagar um preço quase sempre elevado por um simples fruto de romã na feira ou no supermercado, apenas para cumprir alguma dessas crendices de passagem de ano. Juntamente com algumas ondas do mar puladas a custo, a cor da roupa íntima, lentilhas, folhas de louro, e outras baboseiras, a romã quase sempre estava metida na história... Inconscientemente (ou não), mas lá estava a romã.

Agora, revendo um pouco melhor todos os significados dessa fruta, que particularmente sempre admirei e gostei, independente de credos, deusas, raças, cores e o que seja, eu até entendo a presença dessa infrutescência em algumas de minhas comemorações de passagem de ano. Acho que sou um eterno crédulo do amor, da vida, da união, da paixão, do sagrado, do nascimento, da morte e da imortalidade. Creio ainda, por menos que seja razoável, na possibilidade de que a barbárie humana possa ter cura, que o ser humano não é assim tão bestial quanto se revela diariamente, e etc.. Creio.

Acho que creio na simbologia da fruta, uma maçã com sementes, pomogranate, uma promessa de sabor, fertilidade e vida. Também não desacredito de que com três grãos na carteira, dinheiro nunca há de me faltar, apesar do entra ano e sai ano correndo atrás da grana.  Opa, vai saber!  Mas no que acredito, principalmente, é na força que a união dos grãos representa. Força da qual poderemos, quem sabe, esperar pela força, fertilidade, pureza, beleza e pela geração de um novo tempo, mais justo e perfeito, mais fraterno e muito, muito mais feliz.
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Apresentado na Sociedade Brasileira de Médicos Escritores em 16.02.2017

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