Quando tudo parece caminhar para
becos sombrios e sem saída e para um total descrédito nas ações dos seres
humanos, demonstradas em atitudes cada vez mais desprovidas de qualquer
resquício da anima divina, do nada eu me peguei a pensar na romã, aquela
frutinha cheia de grãos justapostos, feito uma colmeia vegetal. E logo divaguei
por outros pensamentos não menos longínquos e quase abstratos, como a proporção
áurea e outros "que tais".
Quem sabe, resultado de alguns brindes em excesso, resultado de algumas ações também
desmedidas deste período dedicado às tais "festas".
De tudo o que já ouvi dizer e do
quanto já provei da fruta, concordo com algumas coisas e discordo de outras,
claro. Pela grande quantidade de sementes, a romã é considerada como um símbolo
da fertilidade, cuja origem se atribui a uma relíquia vegetal da velha Pérsia
ou do Irã, tanto faz, mas lá daqueles lados onde tudo o que é profano toma a
forma de sagrado e vice-versa. Lá, pela também longeva Grécia, a fruta era um atributo
de Hera, poderosa deusa feminina que zelava pelos casamentos e nascimentos dos
rebentos, tanto quanto à deusa Afrodite, aquela da beleza, do amor e da
sexualidade.
Nunca contei, mas dizem que a romã
tem 613 sementes (!), assim como 613 são os mandamentos ou provérbios judaicos
chamados de "Mitzvotz",
presentes em seu livro sagrado, a Torá, algo em que ainda pretendo me
aprofundar. Dessa forma, na tradição judaica, no feriado chamado “RoshHashanah”,
dia em que começa o ano judaico, é comum consumir romãs, símbolo de renovação,
fertilidade e prosperidade. Na Índia, dizem, as mulheres tomam o suco da fruta
para precaver-se da infertilidade. Os romanos antigos, especialmente os
recém-casados, usavam coroas de ramos da romanzeira, pois havia a crença de que
a forma e a cor da fruta se assemelha ao útero materno e ao sangue vital.
E vamos além: na maçonaria a fruta
tem uma forte simbologia, representando a união dos maçons e presente com
destaque em seus templos, no alto das colunas basilares da instituição, a
lembrar-lhes sobre os objetivos de solidariedade, igualdade, humildade, prosperidade e fraternidade, além da força e
da beleza. No cristianismo, há várias passagens da Bíblia onde a romã aparece
como fruta divina, como símbolo da perfeição, do amor cristão e da virgindade
de Maria, mãe de Jesus. Muitas vezes associada ao templo de Salomão, a romã é
consumida pelos cristãos no dia de Reis.
Todas essas conjecturas sobre a
mística fruta, me fizeram lembrar que, quando criança, morei numa casa onde um
pé de romã era como uma espécie de árvore da vida (ou do bem e do mal) bem no centro
do pequeno quintal. No entanto, dali colhíamos os frutos, quando era o tempo e
a hora, consumíamos os seus grãos, com simples deleite e sem qualquer preocupação
com significados a ela atribuídos. E, glória(!), nunca fomos expulsos do
paraíso por causa ou apesar disso.
Então eu fico pensando também nas
inúmeras vezes em que, depois de adulto e sem um pé de romã no meu quintal, eu
me sujeitei a pagar um preço quase sempre elevado por um simples fruto de romã
na feira ou no supermercado, apenas para cumprir alguma dessas crendices de
passagem de ano. Juntamente com algumas ondas do mar puladas a custo, a cor da
roupa íntima, lentilhas, folhas de louro, e outras baboseiras, a romã quase
sempre estava metida na história... Inconscientemente (ou não), mas lá estava a
romã.
Agora, revendo um pouco melhor todos os
significados dessa fruta, que particularmente sempre admirei e gostei, independente
de credos, deusas, raças, cores e o que seja, eu até entendo a presença dessa
infrutescência em algumas de minhas comemorações de passagem de ano. Acho que
sou um eterno crédulo do amor, da vida, da união, da paixão, do sagrado, do
nascimento, da morte e da imortalidade. Creio ainda, por menos que seja
razoável, na possibilidade de que a barbárie humana possa ter cura, que o ser
humano não é assim tão bestial quanto se revela diariamente, e etc.. Creio.
Acho que creio na simbologia da
fruta, uma maçã com sementes, pomogranate,
uma promessa de sabor, fertilidade e vida. Também não desacredito de que com
três grãos na carteira, dinheiro nunca há de me faltar, apesar do entra ano e
sai ano correndo atrás da grana. Opa, vai
saber! Mas no que acredito,
principalmente, é na força que a união dos grãos representa. Força da qual
poderemos, quem sabe, esperar pela força, fertilidade, pureza, beleza e pela
geração de um novo tempo, mais justo e perfeito, mais fraterno e muito, muito
mais feliz.
____________________________
Apresentado na Sociedade Brasileira de Médicos Escritores em 16.02.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário