Encontre o que quer ver

12.5.18

Sabedoria



Juventino era bom de prosa, cheio de querer palpitar em tudo que era assunto, fosse futebol, política, medicina, agricultura, economia, astrologia. Só não falava nada quando o caso envolvia mulher. Mas ouvia, muito atento, toda conversa que o pessoal puxava, meio de propósito, só pra ver a reação do ajudante de pedreiro. Mas sempre permanecia calado nesse assunto. Vai daí que o povo, que não é bobo nem nada e não precisa de muito pra tirar conclusão, falava coisas, sabe como é. Tudo meio na surdina, que ninguém era besta nem de insinuar o que quer que fosse na frente de Juventino, que só de muque tinha um tanto assim. Mas sabe como é fofoca, né? Um fala, outro fala, mais outro aumenta e outro lá adiante inventa e a coisa vai indo, vai indo, até que um dia chega no ouvido do sujeito.
           
E chegou. Diferente do que meio mundo achava que fosse acontecer, Juventino não cobriu ninguém na porrada. Fechou a cara, meio desenxavido e não disse nem a, nem b. No dia seguinte não apareceu para o jogo de bocha do fim de tarde. No outro dia também não, nem no outro e nem no outro, até que alguém cismou de perguntar. "Diz que foi pra Minas", alguém insinuou. A casa ficou fechada por uma semana, que foi o tempo de Juventino voltar. No domingo seguinte fez a feira de braço dado com uma morena vistosa, calça justa, cabelos quase pela cintura. Na segunda-feira pela manhã despediu-se da morena no portão, com um beijo e um aceno. e à tardinha foi para a pista de bocha e palpitou em tudo quanto foi assunto, menos mulher. Ninguém abriu a boca pra falar sobre a morena.

***
Publicado na coletânea "A Pizza Literária - sexta fornada"
Legnar Editora - SP (2000)

Publicado no livro "Pipas no caminho e outros escritos guardados no tempo"
Rumo Editorial - SP (2018)


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...