I
Eu estava com febre alta. Levaram-me para o hospital.
Não sei quem me atendeu, nem como cuidaram de mim. Eu estava doente, muito
doente. Quando se está doente não se sabe bem o que acontece com a gente. Fui
internada, eu acho, pois todo mundo que está assim é internado.
II
A enfermeira do meu quarto era loira. Os cabelos eram
lisos como os de minha avó. Só que os de minha avó eram brancos. Estranhei os
cabelos da enfermeira que cuidava de mim por causa da cor. E minha febre era
alta, a maior das febres. Não entendi muita coisa em volta de mim: a cama alta,
as paredes azuis, a enfermeira bonita de cabelos lisos e loiros, diferentes dos
de minha avó... E tinha aquele tubo que pingava, pingava, pingava...
III
Escutei um passarinho. Vi uma janela. Era tão pouco o
que eu podia fazer... Quase nada. Não sentia mais o calor da febre. Não sabia
direito onde estava. Não sabia direito o que acontecia comigo. Ouvi um
passarinho. Sabia que havia uma janela.
IV
Nem sei quanto tempo passou. O tempo passa esquisito
nessas ocasiões. Às vezes ele acelera tanto que nem dá pra ver nada direito. Às
vezes ele vai tão lento, tão lento... Nem sei bem como é que ele passa. Mas
passa! Tempo foi feito para passar.
V
Ouvi a voz de um menino! Tenho certeza que ouvi!
Parecia tão perto... Acabei brincando com ele. Brinquei de qualquer coisa, só
pra passar o tempo. Não importava muito. Brinquei. Brinquei de ver uma janela e
de ouvir um passarinho. Brinquei de alisar os cabelos de minha avó. Brinquei de
ver minha avó de cabelos loiros, com uma seringa na mão. Brinquei que estava
morrendo de medo. Imagina se eu ia ter medo de minha avó? Era só brincadeira
com aquele menino que eu ouvi. Menino? Cadê você?
VI
Minha avó trouxe um monte de amigos. Os amigos de
minha avó olharam meus olhos lá no fundo. Os amigos de minha avó mandaram eu
botar a língua pra fora. Ahhhh! Minha avó não estava sendo muito legal. Tinha
algumas coisas que doíam muito.
VII
Hoje não ouço quase nada. Talvez os passarinhos. E
aquele menino, sabe aquele menino? Sumiu! Mas ainda posso ouvir passarinhos e a
voz do menino que sabia brincar. Só não consigo enxergar nenhum deles. Onde
estão meus passarinhos? Cadê o menino? E essa luz? Será que vem da janela que
eu já sei que não existe mais?
VIII
Hoje não quero dizer nada. Minha avó não veio,
fecharam minha janela.
IX
Acho que dormi demais. Que horas são? Os passarinhos
continuam cantando do lado de fora de minha janela. Oi, vó! Oi, Deus!
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Prêmio
Flerts Nebó – 2013/2014
Publicado na "Antologia Paulista" - volume 10 - Rumo Editorial - SP
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