I
Reservo meu ócio para coisas
amenas, que não me tragam susto nem chateação. Busco lugares que me
surpreendam, gente e coisas que me apeteçam e que não me tragam problemas. Basta
os do quotidiano, quando quase definho nessa coisa de sobreviver. Então pesco.
Insisto. Penso, logo existo. Lanço engodos e me dá prazer, pois os peixes
atendem a esses chamados mesmo sabendo que são armadilhas. (Tenho uma tese boba
que sustenta que todo peixe fisgado, não sabe o que são armadilhas) Assim mesmo
se entregam. Lutam nervosos e imprevisíveis, mas raramente escapam. Acabam em
minha mão, que os solta de novo... Seu destino é buscar engodos.
Brinco de garimpeiro, em
certos momentos de ócio. Afundo bateias nos riachos de minhas planícies, faísco
pepitas, despejo rejeitos. Refino o que reluz. Quantas águas haverei de
vasculhar nesses meus parcos momentos de ócio? Mas os reservo apenas para
coisas assim, maiores que a mesquinharia do repetir-se da maioria dos meus
dias.
III
E é assim que gosto de olhar
horizontes, especialmente em oceanos. Sento-me a bisbilhotar com o binóculo. Procuro
veleiros insuspeitos, amigos aguardados com ansiedade, na expectativa de que
voltem do mar e aportem. Então os vislumbro nos horizontes desse oceano de meu
ócio. Tiro as sandálias de meu dia-a-dia e os recebo para que me contem as
novidades dos lugares em que não fui, e venham se refestelar nessas areias em
que eu os esperei. E não há pressa nesse meu momento de ócio, pois o reservo
para coisas amenas, como o chegar de um barco. Um barco que saiu do horizonte
que eu adivinhei, que veio do nada que eu pensava que havia e que aflorou das
espumas distantes que eu avistava.
IV
Meu ócio é mais ou menos
assim, pleno de novidades que surgem desse nada que é. Não quero empatar meu
tempo, pois não sei quanto dele resta. E é por isso que eu, nos meus momentos
de ócio, me aventuro em cavernas de pensamento, escalo morros imaginários,
inatingíveis, reviro as amplidões de minhas planícies, cavalgo, rumino
existências e cravo conquistas. Fecho os ouvidos aos ecos indecifráveis. Não
permito que em meus momentos de ócio existam coisas mesquinhas. Só o
indispensável me basta. E sempre pesco, pois existo!
***
Menção Honrosa no Prêmio Flerts Nebó (prosa) 2017/2018 - Sobrames-SP
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