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14.12.18

Ócio



I
Reservo meu ócio para coisas amenas, que não me tragam susto nem chateação. Busco lugares que me surpreendam, gente e coisas que me apeteçam e que não me tragam problemas. Basta os do quotidiano, quando quase definho nessa coisa de sobreviver. Então pesco. Insisto. Penso, logo existo. Lanço engodos e me dá prazer, pois os peixes atendem a esses chamados mesmo sabendo que são armadilhas. (Tenho uma tese boba que sustenta que todo peixe fisgado, não sabe o que são armadilhas) Assim mesmo se entregam. Lutam nervosos e imprevisíveis, mas raramente escapam. Acabam em minha mão, que os solta de novo... Seu destino é buscar engodos.
II
Brinco de garimpeiro, em certos momentos de ócio. Afundo bateias nos riachos de minhas planícies, faísco pepitas, despejo rejeitos. Refino o que reluz. Quantas águas haverei de vasculhar nesses meus parcos momentos de ócio? Mas os reservo apenas para coisas assim, maiores que a mesquinharia do repetir-se da maioria dos meus dias.
III
E é assim que gosto de olhar horizontes, especialmente em oceanos. Sento-me a bisbilhotar com o binóculo. Procuro veleiros insuspeitos, amigos aguardados com ansiedade, na expectativa de que voltem do mar e aportem. Então os vislumbro nos horizontes desse oceano de meu ócio. Tiro as sandálias de meu dia-a-dia e os recebo para que me contem as novidades dos lugares em que não fui, e venham se refestelar nessas areias em que eu os esperei. E não há pressa nesse meu momento de ócio, pois o reservo para coisas amenas, como o chegar de um barco. Um barco que saiu do horizonte que eu adivinhei, que veio do nada que eu pensava que havia e que aflorou das espumas distantes que eu avistava.
 IV
Meu ócio é mais ou menos assim, pleno de novidades que surgem desse nada que é. Não quero empatar meu tempo, pois não sei quanto dele resta. E é por isso que eu, nos meus momentos de ócio, me aventuro em cavernas de pensamento, escalo morros imaginários, inatingíveis, reviro as amplidões de minhas planícies, cavalgo, rumino existências e cravo conquistas. Fecho os ouvidos aos ecos indecifráveis. Não permito que em meus momentos de ócio existam coisas mesquinhas. Só o indispensável me basta. E sempre pesco, pois existo!

***
Menção Honrosa no Prêmio Flerts Nebó (prosa) 2017/2018 - Sobrames-SP



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