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14.1.19

Sonhar não é pecado



De repente eu me lembrei do Quimério, que sabia que tinha mal de chagas, criava duas galinhas pestilentas e devia cinco meses de aluguel para seu Agenor. Devia também no armazém, mas esse era o tipo de dívida que não incomodava ninguém, pois o seu Armando não sabia cobrar os de sua caderneta. Tinha até vergonha de dizer “ô, fulano, você  me devendo tanto”. Sabe como é essa gente simples de tudo, não é?

Pois foi Quimério quem sonhou, noite dessas, com Branquinha, cabrita bem apessoada e que era o tormento do pasto para muito bode comedor. E no mesmo sonho ele viu Modesta, cabrita cheia de bernes e carrapatos, lembranças de sua meninice, quando tudo se resolvia daquele jeito que todo mundo conhece. Tanta cabra num sonho não tinha outra finalidade, senão indicar a sorte. Pois Quimério acreditou nela e jogou um bem combinado no bar do Zito. Modesta e Branquinha num sonho ? Não dava outra! 21, 22, 23, 24, grupo seis, tudo com muito capricho e um monte de mandingas para atrair a sorte, que sonhar também não adianta.

E não é que deu na Paratodos? Quimério arriscou um mês de armazém, mas tinha na mão o premiado. Sabendo do resultado foi no bar do Zito, que não negou o serviço e pagou o jogo. Afinal, vale o escrito, por três dias! Quimério mandou baixar cerveja na mesa de madeira sem polimento. Bebeu e se encharcou de tanta alegria com seus colegas de bar. Mas ficou devendo no armazém de seu Agenor. O dinheiro não deu nem para pensar num exame do coração, que acabou enterrando Quimério, assim, sem mais nem menos, coisa de um ou dois dias depois...
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Publicado em "Antologia Paulista - Vol.6" - Rumo Editorial - São Paulo - 2007
Publicado em "Janela aberta e outros escritos guardados no tempo" - Rumo Editorial - São Paulo - 2019

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