(para ela, em agosto de 1999)
Já
é agosto e muito ou quase nada aconteceu. Escrevi alguns poemas e passei a usar
óculos. Assisti à televisão e fui almoçar fora algumas vezes. Ouvi uma música
antiga, que há tempos não tocava. Aproveitei o último sábado para engraxar meus
sapatos. Recebi telefonemas e publiquei uma crônica no jornal. Soube que uma
ex-namorada se casou pela terceira vez. Comprei uma estante nova para o meu
computador. Fui premiado num concurso de contos do qual nem me lembrava. Fiquei
com saudades dela. Escrevi um e-mail, pois as férias já se acabaram. Espero que
ela já esteja de volta e me escreva, pois já é agosto, e muito ou quase nada
aconteceu. Daqui a pouco será setembro de ficar mais velho. Ah... Mas isso
acontece a toda hora e nem valeria a pena ter citado. Eu é que resolvi escrever
meia dúzia de palavras, pois me deu saudades dela, que está fora há mais de
mês. Será que ela está bem e vai voltar?
(para ela de novo, em outubro
de 2000)
Já
se passou outro agosto e quase tudo continua igual. Escrevi alguma coisa aqui e
acolá. Deixei de almoçar fora e me acostumei com o trivial. Desisti de ver
televisão, pois tudo se repete, cansativamente. Ainda ouço música antiga, pois
não comprei mais nenhum CD. Não engraxei mais os sapatos, pois resolvi que isso
é uma tremenda bobagem. Quase sempre peço para dizer que não estou quando me
chamam ao telefone. Só quero estar sem falar com alguém de vez em quando.
Aprendi a cultuar o silêncio, outra mania besta... Só não deixei de publicar
crônicas, pois isto é mais que um vício: é obrigação. A notícia daquela
ex-namorada que casou pela terceira vez não me fez mal nenhum. Tanto é que
estou vivo. Mas fiquei intrigado, tentando saber como é que aquela danada
conseguiu se livrar de mim muito antes de seu segundo divórcio. Eu era
apaixonado por aquela porcaria de menina... Minha estante nova do computador
perdeu a garantia justamente um dia depois de ficar bamba.
(para a saudade, em abril de
2002)
Senhora
saudade, você é uma idiota! Fez-me perder um tempo danado na frente da tela de
meu computador, escrevendo cartas, fazendo versos, pensando na palavra
seguinte. E não se abalou por nada, em nenhum momento. Todas as coisas que eu
pensei que fariam sentido, não fizeram. Senhora dona saudade, nunca vi ninguém
tão insensível quanto você, valha-me Deus!
(para mim mesmo, em junho de
2003)
Se
isto fosse um diário, seria uma verdadeira aberração. Primeiro por não guardar
qualquer coerência entre uma anotação e outra, a não ser certa nostalgia e um
gosto amargo em cada letra. E depois, por não conter exatamente o que deveria.
A grande aberração é sempre essa: a verdade que se emaranha na alma, se
confunde com ela e não transparece mais, de jeito nenhum.
(para quem quer que seja, em
outubro de 2003)
Abri
novamente esta porcaria de arquivo por acaso. Procurava outros escritos e me
deparei com estas anotações, que nem são lá essas coisas. Só dor de cabeça e
desânimo... Mas já que estou por aqui, e só para retomar o curso desta pouca
história, informo que recebi um e-mail dela, dia desses, anunciando a
publicação de um livro. Vai ver foi por isso que andou sumida esse tempo todo. Pena
que não serve mais para se compartilhar como naqueles tempos em que nos
conhecemos numa lista de mensagens na internet. Alguma coisa mudou sua cabeça.
Tanto que ela se tornou cega e muito diferente do que quando a conheci. Naquele
tempo havia mais doçura em suas palavras.
(para mim mesmo, em março de
2004)
Tomei
consciência do limbo nosso de cada dia, onde chafurdamos todos, pois não há
escapatória neste rumo pouco plausível que definimos para nós mesmos. Os
hipócritas a cada dia se esmeram mais, os falsos estão cada vez pior, os
insolentes cada dia mais atrevidos, os pobres cada dia mais rotos, os indecentes
cada dia mais indecentes, os criminosos cada dia mais ousados e os declaradamente
podres cada dia fedem ainda mais... Enfim, é quase tudo igual ao antes, com o
agravante de ser tudo um pouco pior. Uma
mesmice que nunca termina e um mentir que não se acaba; uma falsidade que não
tem fim e um martírio eterno. Ah... Só
para constar: nunca mais ouvi falar dela, pois me ausentei de quase tudo que
era virtual. Quase tudo. Restam alguns poucos sobreviventes, dos quais passarei
a exigir alguma reciprocidade. Sem qualquer resquício dos enganos virtuais,
percebi que meus sapatos são os mesmos de 1999, só que muito mais puídos e
gastos. O preto já se parece mais com um jacaré. Lembrei de repente de alguém que
me disse: Eita vidinha besta!
(para todos e especialmente
para a saudade, em maio de 2019).
...
Olha só cada coisa mais esquisita nós pensamos e escrevemos. Por isso que é
legal ir guardando estas bobagens todas, estes arquivos inúteis, sem qualquer
outro objetivo senão o da prevenção para que nada disso volte a acontecer... Mas
o pior é que acontece... Já não tenho tanta certeza se um dia não voltarei a
abrir este arquivo.
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